terça-feira, 24 de agosto de 2010

O outro lado da Ilha

Encontrava-me anos atrás num modesto hotel na capital de Cuba, Havana, a espera do amanhecer para conhecer o líder Fidel Castro Ruz.
Minha tensão, quanto mais se aproximava a hora de saída do hotel, tornava-se quase um sofrimento físico no calor insuportável do verão cubano. Desci para o saguão do hotel para aguardar em silêncio, na companhia de muitas pessoas, a “marcha” em direção a El Malecon, um calçadão à beira-mar que funciona como uma instituição local. Ali, o povo se encontra para namorar, conversar, beber, meditar ou simplesmente não fazer nada. Ali também se daria o pronunciamento de El Comandante.Às quatro horas saí caminhando pelas vielas estreitas do centro de Havana, dominadas por prédios velhos, conhecida como La Habana vieja, setor considerado pela Unesco como Patrimônio da Humanidade desde 1982.O escritor cubano Alejo Carpentier chamou Havana de “Cidade das Colunas”, pois várias delas adornam prédios do século XVII ao início do século XX, muitos com roupas estiradas nas sacadas e varandas.Às quatro horas e trinta minutos as ruas estavam repletas de pessoas apressadas com bandeiras de Cuba, em direção à concentração cívica onde se daria a “oficina”.Triciclos amarelos ou “Cocotaxis” passavam a todo instante transportando turistas, combinados a carros antigos e ônibus popularmente conhecidos em Cuba como camelos.Imagens do médico argentino Ernesto Guevara, o Che, o segundo homem da revolução cubana, estavam por toda parte: paredes, outdoors, camisetas, cartões-postais. Uma imagem gigante ocupava um dos flancos do Ministério do Interior, da Plaza de la Revolucion, sobre o eterno lema: Hasta la victoria siempre”.O mito “Che” é quase que comparado ao próprio Fidel.Chegando ao local da concentração, me deparei com mais de oitocentas mil pessoas que aguardavam o pronunciamento do “Comandante” Fidel Castro Ruz.O povo cubano é muito nacionalista, aspecto este muito enfatizado pelos líderes políticos. Há um certo glamour, um sentimento patriótico, pois aqueles jovens idealistas da revolução, hoje senhores idosos, estão no comando da nação e isto gera um sentimento de reconhecimento coletivo simbolizado na figura carismática e emocionante de Fidel Castro. Foram jovens românticos e corajosos e, acima de tudo, que sonharam e lutaram por um ideal.É um equívoco pensar que todo cubano quer a presença americana no país.Mesmo com o embargo imposto há décadas, houve crescimento econômico em Cuba. O pacote imposto por Kennedy, na época denominado “ALIANÇA PARA O PROGRESSO, seria a pedra fundamental da política norte-americana de contenção da Cuba comunista, e que de avanço muito pouco ou quase nada trouxe para a América Latina.Por outro lado, Fidel indiscutivelmente avançou muito mais na diplomacia do que qualquer outro presidente norte-americano.Há uma influência evidente da esquerda no continente: Brasil (mais moderada), Venezuela, Bolívia e Argentina.De forma equivocada veiculada por uma imprensa influenciada pelo poder da mídia americana, tem-se a impressão de que todo cubano quer sair do país.Segundo dados da Organização e da Federation of America Scientists, mais de 30 milhões de pessoas mudam de país por ano, o que se torna num enorme movimento migratório.As guerras domésticas, conflitos armados e movimentos separatistas contribuem para chegarmos a níveis tão elevados. Somente o Brasil contribui com 40 mil pessoas saindo todos os anos em busca de uma vida melhor. 
A história de Cuba demonstra que sempre houve luta pela soberania do país. Os cubanos  rebelaram-se contra o colonialismo espanhol no ano de 1868. Um exército de libertação, com cerca de 38 homens, formado por um antigo fazendeiro de cinquenta anos, chamado Carlos Céspedes. Dois dias após o chamado pela independência, o exército rebelde tinha crescido para 4 mil homens, chegando a 12 mil.
Um escravo negro liberto, Antonio Maceo, tornou-se o comandante militar dos rebeldes. Maceo combateu, incansável, num período de 10 anos, mas ele e suas tropas não foram capazes de alijar os espanhóis do poder.
Em abril de 1895 José Martí (um renomado poeta cubano), continuou a luta pela independência. Morto um mês depois em uma batalha contra os espanhóis, Marti tornou-se  herói nacional, símbolo da liberdade e fonte de inspiração e estudo para a libertação da pátria.
Cuba tornou-se independente em 1902, com a ajuda dos Estados Unidos. Por essa ajuda, até hoje os americanos detêm o direito perpétuo para manter bases militares em território cubano, situação esta, muito questionada no país e no mundo.
No entanto, Cuba era uma república independente apenas no papel. Por muitos anos os Estados Unidos enviaram tropas repressoras, assegurando a submissão cubana aos interesses norte-americanos. Várias greves surgiram varrendo o país por todos os lados.
Nessa época, Fulgêncio Batista, ditador no poder, mantinha uma relação calorosa com os Estados Unidos contrapondo o perverso estado de pobreza da população.
Suspendeu garantias constitucionais, proibiu as eleições, restringiu a liberdade de opinião e de imprensa.  O país possuía índices altíssimos de analfabetismo e miséria.
Acontece então a “segunda independência”, quando Fidel Castro, Camilo Cienfuegos, Raul Castro e Ernesto Guevara, partindo da Sierra Maestra, conseguem levar o movimento  revolucionário à vitória com significativo apoio dos camponeses.
Cuba inicia uma nova etapa da sua história.
Após um alinhamento com a União Soviética, sofre novo impacto com o fim da ex-potência mundial em 199l, que à época era uma grande parceira econômica.
O desgaste foi grande, porém mais uma vez o povo, heroicamente resiste à nova realidade. Estatísticas atuais apresentam índices baixíssimos de analfabetismo, dados esses comparados a países como Noruega e Suécia; um programa de saúde poderosíssimo com uma expectativa de vida que chega aos 77 anos, um dos mais altos do mundo.
Nos esportes tornou-se referência, sendo uma das potências das Américas, sempre com bons resultados nos Jogos Olímpicos, fruto de um planejamento cumprido à risca, enfatizando a importância do desenvolvimento do esporte na escola, base da pirâmide do desenvolvimento do desporto nacional.
Nas escolas há em torno de 25 alunos por sala de aula e os resultados escolares superam muitos países desenvolvidos.
Há mais de 20 mil médicos cubanos prestando serviços em 64 países, inclusive no Brasil.
Inegavelmente, Cuba tem os seus problemas e não é nenhum paraíso socialista. O próprio governo sob o comando de Raul Castro não tem omitido as dificuldades.  De qualquer forma quem deve decidir sobre os destinos da nação cubana é seu próprio povo, e seus dirigentes. Cuba é uma nação soberana que não se permitiu curvar ao colonialismo imperialista de ontem e de hoje. José Marti enfatizava a necessidade de um povo culto para buscar a liberdade.
Ou seja, as pessoas contam. Seus conhecimentos, sua determinação, sua coragem!
Como seria um mundo sem a história cubana?
Qual é o motivo da grande preocupação americana com os cubanos?
E nós?
No mínimo, devemos deixar para os cubanos os destinos da Ilha e desconfiar de tantas informações descabidas de credibilidade, ao que parece.

Paulo Celso Magalhães

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