terça-feira, 24 de agosto de 2010

Carta ao meu avô

25/6/2010 20:40:53
Sempre bem informado Rubem Marques Simões, meu avô, atraia muitas pessoas pelo seu belo discurso, sua presença imponente e acima de tudo, sua sabedoria. Estávamos no final da década de 1960. Tempo de golpe de estado é bom que se diga.
Homem com o dom da palavra e da leitura.
Justo, politizado, munícipe atuante, influente e formador de opinião, jamais se permitiu silenciar diante da injustiça e da opressão.
Homem forte e valente não se dobrou frente à república dos coturnos e baionetas!
Para ele, nada poderia resistir à verdade. Mister se fazia, entretanto que esta fosse apresentada. E assim o fez!
Pronunciou-se a caráter advertindo a imensa agressão pela qual o país sofria.
-- Os agressores falarão por si mesmos aos interlocutores perseguidos. Ainda terão que prestar contas, dizia!
Era preciso se dar conta da emergência, defendendo os mais essenciais dos Direitos Universais do Homem, inscritos na consciência de todo ser humano. Incansável nesta posição solene, com quase setenta anos, foi detido e preso no Batalhão de Infantaria Blindada do Exército Brasileiro, em Barra Mansa.
Certamente passou e comeu pelo “pão que o diabo amassou”.   
Hoje em dia fala-se o que quer, bem diferente daquela época e compreender o que se fala, porém, é outra história.
Quero dizer, para que entendas bem, que aquela brava gente pela qual lutaste, faz tempo, vive muito adormecida por aqui. Gente por deveras pacata!
Diverte-se até com a bola da Copa, que tem nome esquisito, e não liga para os livros. Gosta de frivolidades, desejosa por salvadores da pátria, atribuindo-lhes a solução para os nossos problemas.
Curiosamente, incontidas multidões gritam nas praças, nos bares e ruas por coisa pouca, empunhando bandeiras em nome dos “soldados”, defensores e atacantes, que gostam mesmo é de ficar no meio de campo no time da pátria das chuteiras, o Toma Lá da Cá Futebol Clube.
Faz-se muito barulho porque somos muito bons nisso.
Tiros de rojões, cornetas estridentes e tambores fazem a maior algazarra, principalmente quando acontece um tento brasileiro. Os gritos estão a garantir terreno numa batalha interminável e “patriótica”. Afinal, essa mesma gente, acostumada a perder em quase tudo, acredita no milagre e resgata sua auto-estima torcendo através dos jogos de futebol de todo o dia.
Essa questão transcende e por vezes delimita a soberania nacional, e delega ao time a inimaginável representatividade dos sem tanta coisa, inclusive, quem diria, os sem livros!
A desinformação é total e desejada. Pra que pensar?
Pense por mim!
Viva o nada!
Nada é melhor, porque assim não sofro!
Sempre tem nada para ver e refletir!  Perdemos todos os dias sem entrar em campo uma única vez!
O articulista da Revista Veja, Roberto Pompeu de Toledo referindo-se aos eternos descasos com as verbas públicas escreveu recentemente algo que assusta e sugere reflexão. Segundo Toledo “o atraso à brasileira vai muito fundo. A idéia não é que as coisas fiquem como estão; é que melhorem sempre para os governantes, mesmo que piorem para os governados”.
No crédito, fica um sentimento: a elite dominante continua a promover o desaprendizado do já sabido.
Inúmeros brasileiros, deitados em berços esplêndidos pelo país afora, inertes, apenas, observam. Bem acomodados sob o sol do novo mundo ou o calor insuportável, como queira!
Desculpe meu avô, ainda bem que tens sérias dificuldades auditivas, até porque o som emitido por aqui é muitas vezes incompreensível, assustador e no mínimo preocupante, até para quem os emite. E são muitos!
No dia da Pátria, que se aproxima, as bandeiras – amassadas e desbotadas, serão pisoteadas, esquecidas, jogadas às traças!
É bem verdade que o Dia da Pátria é feriado muito desejado e comemorado com descaso pela grande maioria. Atrever a comentar a razão da data é episódio para poucos. Entendê-la então, é tirar leite de pedra!
Pobres Inconfidentes das Gerais, quanto descaso!
À Pátria amada, estão a desonrá-la com mentiras, violência, corrupção, superfaturamentos, interesses pessoais acima da coletividade, inspirando alguns autores a falarem da banalidade da vida nestas terras.
Há outros, e aí também não são poucos, os que compõem o batalhão dos sem terra, sem teto, analfabetos, iletrados, das casas de pau a pique, dos barracos dependurados em morros das inúmeras áreas de risco pelo país, verdadeiro flagelo devido às poucas ações das políticas habitacionais, envergonhando pelo descaso, desfigurando o próprio sentido daquilo que seria o habitar. O escasso direito de ir e vir, rotineiramente violado, não é exceção ao conjunto de regras – existentes por demais e não cumpridas.
Sei que você, Rubem Simões, meu avô, não pode voltar, mas rogo em preces para dizer que urge pressa a tua presença entre nós, antes que seja tarde demais!
Paciência é palavra nobre. Há limites incomensuráveis, entretanto, de tolerância com o descaso e a indiferença!
Tendo oportunidade e não é presunção, peço o favor de chegar aos inatingíveis líderes dessa “brava gente” brasileira, para dizer que na Pátria amada à qual doou grande parte da tua vida, há uma gente indigente, que nem desconfia que não sabe, com necessidades urgentes, condizentes ao tamanho do nosso maior problema talvez, a desesperança!
Nossa torcida, diante do derradeiro campeonato que está por vir, não permitirá sequer o empate. E nesse jogo, as coisas estão bem difíceis.
A diminuta significância está presente na luz que ainda emana dos moribundos às crianças, episódio que nos torna sobremaneira frágeis diante do sistema que aí está.  Tênue e quase insipiente!
Estaremos diante da razão?
Talvez!
Do que exatamente ainda precisamos nos convencer?
Recordando Voltaire: se isto é o melhor possível, imagine como seria o pior!


Até breve!

Paulo Celso Magalhães

Nenhum comentário:

Postar um comentário