sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

O REINO DESENCANTADO DE KRÜMEL

O Reino Desencantado de Krümel é muito rico e habitado por muitas pessoas pobres governadas por um rei incompetente e generoso, conhecido como Benevolente I.
Devido a sua generosidade, grande parte da riqueza do seu reinado, entretanto, tem sido distribuída a invasores estrangeiros e saqueadores, e uma outra parte restante fica com alguns poucos nativos bajuladores, que acabam proprietários de quase tudo daquilo que sobra.
Esse reino ganhou fama também, por causa da festança desregrada, da corrupção e do hábito das autoridades que incorporaram o “dito pelo não dito”, como prática para azeitar o conhecido “jeitinho”, bastante comum no reino, que apesar do diminutivo da expressão, causa um estrago aumentativo na distribuição da renda à população, distanciando cada vez mais os ricos dos miseráveis.
Mesmo aqueles que têm quase tudo, por concessão do rei, é comum as práticas das falcatruas em detrimento de tantos outros cidadãos do reino.
Por ordem expressa do rei, influenciado sabe-se lá por quem, somente algumas pessoas podem aprender a ler e escrever.
Só há uma escola que presta, mas educação não é uma ação bem vista pela nobreza. O saber deve ser restrito a poucos habitantes do reino de Benevolente I.
No entanto há outros que preconizam um ensino de qualidade, mas esses são conhecidos como os “bobos da corte” e inapelavelmente são ignorados e tratados com indiferença e não dispõem de qualquer credibilidade. Assim ocorreu com o escritor, pesquisador e educador Sábio Fábio Águia Branca. De tanto exigir um ensino de qualidade para todos, foi colocado na masmorra e nunca mais se falou dele.
Já se falou e ainda fala dele em outros reinados, mas por aqui é dado como louco!
É do conhecimento de todos que o rei lê muito pouco, escreve mal e quando improvisa seus discursos é vexame na certa, esculhambando com o sentido de representação de um povo envergonhado.
Mas é o rei! E para reinar é necessário saber mandar e só!
Um lugar muito desejado pela corte são as arenas. Elas constituem palcos das lutas e jogos. Construídas com os impostos dos citadinos miseráveis, é comum serem destruídas para serem construídas de novo e muitas vezes demolidas para serem reerguidas. No Reino Desencantado de Krümel este episódio é conhecido como “legado”.
O rei e toda a sua corte adoram comparecer às arenas.
Por medida de segurança imperial, ficam sempre distantes dos olhares curiosos do povo.
Mas rei que se presa não olha para o lado, muito menos para baixo, e assim não vê os súditos famintos assentados nos degraus divisíveis da representação clássica da constatação do descaso, do desaviso de falência, dos remendos da postergação do óbvio, ludibriados em nome do amanhã, como se hoje não existisse.
Há muitas leis em Krümel. Aliás, tem lei para todos os lados. Há inúmeras leis para cumprir a própria lei. Difícil é torná-las possíveis, exceto àquelas dos direitos da corte e da expropriação dos cidadãos, afinal quem as escreve legisla infinitamente em causa própria e de alguns próximos.
E assim os distúrbios sociais persistem, mas imediatamente os mensageiros do reino levam notícias informando que o inimigo está sob controle e por isso mesmo, ainda não é a guerra e nem há razão para pânico, mas para muitos, é dada como certa.
A violência já não é algo tão destacado, não pelo fato da sua inexistência, mas, por ser tão corriqueira já não causa espanto.
Como numa estrada, as passagens nunca são iguais aos olhares. Assim pode-se acostumar com o cenário e nem perceber nos arredores os maltrapilhos amontoados.
E nesse panorama sombrio o rei continua soberano!
Mentiras que se transformam em verdades.
Verdades que se transformam em mentiras.
E a saga continua!